Há biografias que se assemelham a espiar por uma fresta de janela - uma invasão silenciosa à vida de alguém, com as cortinas apenas entreabertas. É impossível não sentir certa culpa: descobrimos segredos, hábitos, fragilidades de pessoas que jamais pediram para serem expostas. Seria constrangedor encontrá-las na rua e comentar tudo o que sabemos.

Mathilda, porém, é uma exceção rara. Sua vida sempre foi pública - ser conhecida faz parte de quem ela é. Desde muito cedo, todos sabiam quem era Mathilda Thessen: filha de Albert Thessen, conde de Costaverde e primo do rei Tibianus III. Antes mesmo de nascer, seu nome já ecoava em toda terra ao sul de Kajordão. Criada na corte do rei, foi tratada como filha legítima.

Quando o reino de Thais buscou aproximação com Carlin, Tibianus III selou alianças por meio de casamentos entre as damas da corte e os nobres de Eloise. Mathilda, ainda criança, foi prometida a Jonas, sobrinho da rainha. Assim, cresceu com uma educação dupla: criada como cavaleira do Norte, mas refinada como dama do Sul - aprendendo etiqueta, música e diplomacia.

Quando Mathilda e Jonas chegaram à maioridade, casaram-se em grande cerimônia no castelo de Costaverde. A união reuniu, pela primeira vez em anos, os reis Tibianus III e Eloise, encerrando um período de tensões diplomáticas. A partir desse dia, Mathilda adotou o sobrenome do marido e tornou-se Mathilda Carlsen.

Por anos, o casal viveu na corte da rainha Eloise, próximos do trono e do conselho real. Parecia o auge de um projeto diplomático bem-sucedido: uma aliança sólida entre os dois reinos, unidos contra os servos de Zathroth.

Tudo mudou num inverno severo. Os ventos da Baía dos Reis trouxeram não apenas frio, mas luto: Mathilda perdeu o pai e o irmão, tornando-se única herdeira do condado. Essa herança a colocou numa posição política delicada. A rainha Eloise declarou que Costaverde deveria se integrar à coroa de Carlin, já que Mathilda era sua vassala. Foi o início da dissolução da breve e ambiciosa aliança entre Thais e Carlin.

O inverno seguinte trouxe novos golpes. Primeiro, o barão Jonas foi morto numa emboscada de goblins. Depois, rebeldes com filiações dracônicas tomaram o castelo de Costaverde, abandonado pela falta de manutenção. Por fim, a rainha de Carlin abriu mão de reivindicar o condado, após negociações com Thais.

Desamparada, Mathilda retornou à corte de Thais. Hoje, vive longe do esplendor de antes, tentando encontrar algum propósito para além dos muros que um dia chamou de lar.